Quando brigam, Steve S. e Sarah B. fazem o seguinte: respiram fundo, pegam os smartphones e clicam em um aplicativo gratuito para bate-papo e aconselhamento de casais criado pela terapeuta na vida real, Marigrace Randazzo-Ratliff.
Ao contrário de Samantha, o sistema operacional com voz rouca do filme “Ela” que tinha um relacionamento pessoal intenso com o protagonista, o aplicativo não organiza a área de trabalho nem marca as reuniões. Aliás, nem se envolve em atividades eróticas. Ele ajuda o casal, casado há dez anos e com dois filhos pequenos, a descobrir por que está discutindo.
“Quando você se sente bem em relação à outra pessoa, você trabalha junto e discute soluções até mesmo nos desafios mais difíceis”, disse Steve, 44 anos, gerente de desenvolvimento de marca de Ann Arbor, Michigan, que pediu para o sobrenome não ser citado para falar mais livremente sobre o relacionamento.
“Quando você não se sente bem em relação ao outro, você briga até mesmo pelas coisas mais irrelevantes. Nós usamos o aplicativo para nos ajudar a entender o que nos leva a estar em um lugar no qual vamos nos valer do conflito.”
Há muito tempo as pessoas usam a tecnologia para achar parceiros, mas agora ela está desempenhando um papel crescente nos relacionamentos, segundo novo relatório do projeto internet do Pew Research.
Divulgado no mês passado, o estudo descobriu que entre 1.428 adultos em relacionamentos firmes, 25% dos que enviam torpedos escrevem para o parceiro quando estão juntos em casa. Entre os usuários de celulares ou da internet nessas relações, 21% se sentiram mais íntimos dos parceiros por causa das conversas digitais e 9% resolveram brigas que não conseguiam resolver pessoalmente pela internet ou via SMS.
Complemento da terapia
Assim, não causa surpresa que os novos aplicativos projetados para aprimorar a comunicação e suavizar ou prevenir os conflitos se espalharam. Entre os novos apps estão “Couple Counseling & Chatting”, “Embre” e “Romantimatic”; entre os antigos temos “Fix a Fight” e “Love Maps” (criado pelos especialistas em relacionamento John e Julie Gottman do Instituto Gottman, de Seattle).
Leslie Malchy, terapeuta de casais de Vancouver, Colúmbia Britânica, diz que aplicativos do gênero têm o potencial de serem úteis, principalmente como “complementos do processo de terapia”.
Porém, ela não recomenda essa abordagem para casais muito angustiados. Segundo a terapeuta, na verdade, alguns parceiros podem se esconder atrás de aplicativos “para permanecerem distantes”.
Não existem estudos científicos explorando como ou se os programas criados para relacionamentos podem ajudar casais em crise. Contudo, Randazzo-Ratliff afirmou que seu aplicativo gratuito, “Couple Counseling & Chatting”, nasceu de 25 anos de experiência como terapeuta de casais.
“Eu queria ensinar às pessoas sobre conflito e resolução de conflito. Existem fatores estressantes na vida, maus hábitos do passado, coisas diferentes que se acumulam – e nós descontamos todo esse estresse no nosso cônjuge, infelizmente. A questão é se acalmar, para você mostrar que estão no mesmo barco.”
Os usuários preenchem uma autoavaliação na qual respondem perguntas como: como você lida com a raiva? Você é um passivo-agressivo? Parte para o confronto direto?
Assim que os parceiros determinam o estilo de briga, eles recebem uma lição de casa, por exemplo, sentar e discutir uma situação específica ou entrar na banheira, para um esfregar os pés do outro. Depois que uma tarefa é concluída, os casais passam para a próxima série de perguntas. Teoricamente, eles podem ficar nessa toada para sempre.
O aplicativo conta com um componente de “avaliação da situação” para ajudar a identificar fatores externos que podem afetar o relacionamento: trabalho, perda recente, problemas familiares e grandes mudanças. Quem desejar uma avaliação pessoal pode enviar um torpedo e receber a resposta em tempo real, o que é igualmente grátis.
Desde o lançamento em 12 de fevereiro, o “Couple Counseling & Chatting”, disponível para sistemas rodando Android e na loja de aplicativos da Apple, acumulou mais de 17 mil downloads, disse Randazzo-Ratliff; 70% dos que baixaram são homens.
Terceirização sentimental
Já o “Romantimatic”, lançado em janeiro e que pode ser baixado por US$ 1,99 na loja de aplicativos da Apple, é mais um “aplicativo para mitigar conflitos”, disse o fundador, Greg Knauss (46), programador de computadores de Woodland Hills, Califórnia, casado há 18 anos e com três filhos adolescentes.
Após ter vendido mais de 1.100 cópias, o aplicativo deixa os usuários programarem e enviarem mensagens aos seus amados com a frequência desejada. Eles podem criar sonetos de amor ou enviar cartas já escritas, como um Cyrano de Bergerac virtual: “Sem tempo para nada, mas não consigo parar de pensar em você”. “Ei. Tenho um massageador de costas sobrando aqui. Sabe de alguém que pode querê-lo?”
“É irônico as pessoas usarem um aplicativo para resolução de conflitos porque parte da natureza da resolução de conflitos é a comunicação, e boa parte da comunicação entre seres humanos é não verbal”
Knauss sabe que ele não é nenhuma Emily Dickinson, mas essa nunca foi sua intenção. “Com a comunicação regular, e tendo como base a boa vontade que dela emerge, quando surgem conflitos no relacionamento, eles podem ser encarados de forma mais fácil, rápida e sensível”, ele garantiu.
Nem todos têm tanta certeza. No site da revista “The Atlantic”, Evan Selinger, professor adjunto de Filosofia do Instituto Rochester de Tecnologia, escreveu que o “Romantimatic” não passava de “sentimento terceirizado”.
Daniel Bober, psiquiatra que trabalha com casais em Hollywood, Flórida, e também professor-assistente da Faculdade de Medicina Yale, é cético em relação aos aplicativos de relacionamento como um todo.
“É irônico as pessoas usarem um aplicativo para resolução de conflitos porque parte da natureza da resolução de conflitos é a comunicação, e boa parte da comunicação entre seres humanos é não verbal”, exigindo interação cara a cara.
Porém, alguns casais, como Quinn e Nathan Strong, ambos com 26 anos, de Shreveport, Louisiana, consideram que sua união está mais forte graças a um aplicativo. O casal encontrou o “Couple Counseling & Chatting” na internet e o têm usado diariamente há pouco mais de duas semanas.
“Nós tínhamos problemas de comunicação, questões que surgiam de brigas muito recentes que pareciam não ter fim, até problemas do passado e a atual falta de confiança”, declarou Quinn Strong, artista e mãe que não trabalha fora.
Sentimento terceirizado: críticos acham que discutir a relação exige estar frente a frente
Assim, eles tentaram experimentar o aplicativo. Ambos fizeram a avaliação pessoal e as lições de casa; Quinn Strong também tem conversado com um psicólogo em tempo real.
“Para mim, ele transforma o que teria virado uma discussão contínua em uma mais curta e que termina com uma ótima resolução. As discordâncias agora têm um propósito.”
David Barsky, 19, estudante de Ciências da Computação da Universidade Brandeis, usa o “Romantimatic” para disparar preciosidades à namorada, Rachel Tenenbaum, da mesma idade. Eles estão juntos há quase dois anos, mas Tenenbaum, que estuda Psicolinguística na Universidade Northeastern, achava que o namorado não demonstrava tanto afeto quanto poderia.
“Ela dizia que em um nível lógico ela compreendia que eu a amava, mas ela também queria o reforço de um torpedo bacana de vez em quando”, relatou Barsky. Ele começou a utilizar o “Romantimatic” algumas vezes por semana para lhe enviar uma mensagem baseada em um modelo. Uma das preferidas é “meu telefone me falou que deveria dizer que te amo” ou outro de sua própria autoria: “eu te amo”.
A princípio, Tenenbaum não sabia que estava recebendo textos digitais; quando ele finalmente confessou, ela achou legal desde que o namorado realmente sentisse o que dizia e que as mensagens fossem genuínas.
“Ajudou de verdade e agora ele chegou ao ponto em que envia torpedos carinhosos e espontâneos de sua própria criação, o que significa muito para mim, e ele parece mais carinhoso de um modo geral”, assegurou ela.
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